terça-feira, 17 de dezembro de 2013

A alternativa ao Urbanismo pós-crise

 
I
 
A leitura de “O Urbanismo depois da Crise” de Alain Bourdin mostra a realidade perturbante do panorama das cidades europeias, mais concretamente em França e na Bélgica. Ao longo de mais de cem páginas o autor, director do Institut Français d’Urbanisme, inventaria uma série de acções politicas neo-liberais de cariz urbano, sem nunca chegar a nenhuma resposta. Eventos como as Olimpíadas ou as Capitais Europeias da Cultura criam oportunidades de investimento e chamam grandes nomes da arquitectura mundial para intervirem em zonas carentes do tecido urbano. Mas uma questão levanta-se: qual é o urbanismo depois da crise?
 
No artigo Ciudades alternativas: Curitiba, Seattle, Bogotá y Medellín de Josep Maria Montaner e Zaida Muxí (inserido no livro ''Arquitectura y Politica - Ensayos para mundos alternativos'') são usados quatro casos de estudo que combinados poderão servir de resposta a outra questão: como vemos as nossas cidades no futuro? Um dos casos de estudo, Medellín, na Colômbia, é um exemplo em termos de relação do transporte com o tratamento de zonas carentes da cidade. O projecto do Metrocable prevê um funicular que cria ligações entre a existente linha de metro e as colinas onde se localizam perigosas e feias favelas. Com a implementação deste sistema prevê-se ainda a reestruturação pontual de pequenas praças onde as torres de suporte dos cabos iriam assentar. Os quatro casos de estudo – Curitiba, Seattle, Bogotá e Medellín – são uma interessante proposta de criação de cidades em época de crise. As quatro cidades fogem da grande roda de mega-cidades e não são em nenhum momento cidades de particular importância. De uma certa forma Bourdin não se consegue desligar do universo francófono, nem Montaner e Muxí da cultura latino-americana. O problema é que a cultura latina pressupõe uma dimensão bem mais ampla de exemplos (bons ou maus, simples ou complexos) do que o universo francófono pseudo-europeista de Bourdin. Em resposta à questão, como queremos as nossas cidades no futuro, prefiro utilizar os exemplos de Montaner e Muxí:
 
Curitiba – cidade verde sem ser maníaca em relação a politicas sustentáveis e ecológicas;
 
Seattle – cidade com uma maior amplitude cultural e onde as intervenções de grandes arquitectos passam para segundo plano;
 
Bogotá – cidade participativa onde agrupamentos de cidadãos estabelecem as medidas do seu próprio desenvolvimento urbano;
 
Medellín – cidade onde a criação de um novo sistema de transporte serviu de pretexto para uma operação de acupunctura urbana que ajudou no melhoramento das condições de vida.
 
A crise financeira é vista como uma doença que aniquilará os nossos modos de vida, mas tal ideia estará errada se olharmos para os problemas como algo limitador e não como uma oportunidade criativa.
 
 
II
 
As cidades pós-crise terão que ser cidades participativas onde a voz de um só individuo importe, democráticas e miscigenadas em relação às várias classes que a habitam de forma a aniquilar o ghetto e a promover a ideia do cidadão participativo-crítico.
 
1. A cidade verde
Eduardo Souto Moura afirma: “A boa arquitectura é sempre sustentável.”. Da mesma forma que um indivíduo é mais humano se verdadeiramente ouvir os problemas do outro. Desta maneira se o arquitecto “ouvir” o seu local de intervenção perceberá os mecanismos necessários para um edifício inteligente. Em certa medida defendo o avanço da tecnologia na arquitectura, mas em nenhum momento deve esta eclipsar a função essencial do arquitecto. A cidade verde é uma cidade inteligente e criativa que tira proveito dos seus recursos naturais. É uma cidade que aposta em mais transportes inteligentes como forma de reduzir o tráfico automóvel. É uma cidade que abraça a tarefa de criar parques de diferentes escalas de forma a servir a população mais próxima. É uma cidade que não constrói por exercício de estilo, mas por estrita necessidade, paralelamente a uma política saudável de conservação e restauro.
 
 
2. A cidade cultural
Gostar de cidades é como gostar de pessoas: sentimo-nos atraídos pelas que apresentam personalidades mais fortes e/ou diferentes. Uma cidade apenas possui personalidade quando produz cultura. Seattle criou possibilidade para o desenvolvimento de todos os tipos de arte – alta e baixa –  e apoiou artistas locais ou associações locais ligadas às artes. Da mesma forma que se criam espaços, deve-se ainda criar possibilidade de acesso aos mesmos. A criação de bibliotecas de bairro com horários alargados não só cria emprego como melhora as condições de vida do local onde são implantadas. Uma das premissas que os nossos políticos se tem esquecido é: políticas culturais inteligentes criam emprego.
 
 
3. A cidade participativa
A criação de grupos associativos de bairro deverá ter algum peso nas políticas locais. A gestão de um determinado bairro ou quarteirão deve contar sempre com a opinião dos seus moradores. Da mesma forma que o Estado deve criar essas condições, os cidadãos devem igualmente exigir a participação na discussão sobre o futuro dos seus bairros. Viver num regime democrático traz direitos mas também deveres. Quando o Estado falha cabe aos cidadãos pensar nas suas acções e na forma de agir em sociedade. Portanto deve-se apoiar a criação de acções espontâneas por parte da população como forma de grito para uma reformulação governamental.
 
 
 
4. A cidade conectável
Uma cidade democrática é uma cidade que não cria distinção entre alguém que vive no centro e outro que vive no subúrbio. As cidades devem-se equipar de sistemas de transporte inteligentes que não passam necessariamente por metropolitano. Assim como não deve criar preferência por um só modo de transporte. Os transportes urbanos são um sistema complexo de redes constituídas por metro, comboio, autocarro, elevadores, funiculares e teleféricos. O sistema urbano de transporte deve ser pensado como um todo ao mesmo tempo que cria relações com empresas privadas de transporte que normalmente servem zonas periféricas da cidade.
 
 

A união destes quatro tópicos cria cidades repletas de oportunidades para pessoas de todas as classes. As cidades do futuro, do futuro pós-crise, pensam principalmente nos cidadãos e o no seu bem estar, daí tiram as peças para a construção de um produto apetecível no grande mercado mundial, como Bourdin gosta de pensar. Um produto só é vendável quando é funcional  e para as cidade de Bourdin funcionarem como chamarizes da participação, do futuro e do pensamento progressivo, devem-se lembrar que são habitadas por pessoas e não por empresas e/ou turistas. Uma boa cidade não é uma cidade esteticamente atraente, mas sim uma cidade funcional. Apenas isso atrai as classes criativas, termo inventado por Richard Florida. A cidade do pós-crise potência a classe criativa local em vez de chamar e/ou abraçar classes estrangeiras.

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Imagens de Curitiba, Seattle, Bogotá e Medellin

Bibliografia
MONTANER, Josep Maria; MUXÍ, Zaida; Arquitectura y Politica - Ensayos para mundos alternativos (2013), Gustavo Gili, Barcelona
BOURDIN, Alain; O Urbanismo depois da crise (2011); Livros Afrontamento, Lisboa

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