Com a mudança da década chega o tempo de reflexão da
contemporaneidade. Ao estudar, ou reflectir o nosso presente, acabamos por
pensar no território em que nos desenvolvemos, no espaço físico em que
respiramos, dormimos, vivemos. O espaço como gerador de cultura espelha a nossa
personalidade. Na nova década deverá então ser importante pensar na importância
que a Sitio-especificidade ainda ocupa no desenvolvimento do projecto
arquitectónico. Este conceito deverá compreender a noção de lugar como berço
sagrado da nossa existência. Segundo Anne Cauquelin: “Enquanto o lugar era imutável, impossível de vender,
inalienável, porque a nossa alma aí residia, o profundo, o sagrado; o espaço
democrático é, ele mesmo, partilhável, superficial, cambiável, divisível,
seccionáveis. Ele é concebido como isomórfico sem todas as suas partes, sem
qualidades particulares”. [1]
Para Cauquelin o lugar é como que um templo sagrado da
nossa existência, é onde temos as nossas primeiras memórias, onde vivemos quase
toda a nossa a vida e como tal não vemos nele um valor material, monetário nem
uma grande necessidade de desconexão. Na remodelação de 1961 da Casa da Rua
Roberto Ivens em Matosinhos, Siza Vieira, trabalha num lugar muito próprio. A
remodelação da casa dos seus pais, a casa em que passou a infância e a
adolescência é terreno sensível pois joga com um número significativo de
problemáticas a nível sentimental. O arquitecto não toca na essência do objecto
preferindo operar em casos específicos de ordem funcional como a alteração das
guardas de uma escada, organização geral do piso térreo e ligação do mesmo com
as restantes zonas da habitação assim como a criação de algum mobiliário. O
respeito pelas memórias que ao fim ao cabo são também as suas assim como pela
rotina diária da habitação que tão bem conhece e a primazia pela funcionalidade
são factores decisivos para a criação, ou preservação desta máquina afectiva de
habitar.
Para a nova década mantemos o mesmo ringue onde
de um lado temos o espaço do novo Homem, moderno, tecnologicamente avançado,
com gostos muito focalizados e o lugar como memória permanente de onde viemos. Talvez
o lugar seja mais do que uma memória, mas um espelho de onde se encontra o
caminho para o nosso futuro.
[1] Cautelin,
Anne (2005) Sítio, lugar e mundo. In: Curadoria do Lugar – algumas abordagens
da prática e da crítica. Gabriela Vaz-Pinheiro. Transforma AC; Torres Vedras
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