sábado, 5 de outubro de 2013

Lugar vs espaço ou Passado vs Futuro

Com a mudança da década chega o tempo de reflexão da contemporaneidade. Ao estudar, ou reflectir o nosso presente, acabamos por pensar no território em que nos desenvolvemos, no espaço físico em que respiramos, dormimos, vivemos. O espaço como gerador de cultura espelha a nossa personalidade. Na nova década deverá então ser importante pensar na importância que a Sitio-especificidade ainda ocupa no desenvolvimento do projecto arquitectónico. Este conceito deverá compreender a noção de lugar como berço sagrado da nossa existência. Segundo Anne Cauquelin:Enquanto o lugar era imutável, impossível de vender, inalienável, porque a nossa alma aí residia, o profundo, o sagrado; o espaço democrático é, ele mesmo, partilhável, superficial, cambiável, divisível, seccionáveis. Ele é concebido como isomórfico sem todas as suas partes, sem qualidades particulares”. [1]

Ao entender que o território é importante na criação da personalidade “individual”, existe uma ligação instantânea do espaço ao meio em que está inserido – Território. O capitalismo traz-nos uma mudança em termos de espírito: enche-nos de fome consumista, corta-nos os laços com o lugar onde guardamos as nossas memórias de infância. Como tal o actual junkie capitalista vive do nomadismo, sem o sentido de lar. Em 1985 e 1989 Toyo Ito desenvolve dois programas “habitacionais” muito similares para a nova mulher japonesa. A mulher-nómada de Tóquio vive daquilo que consome, que deseja. Não está ligada às origens nem a cultura centenária da nação em que nasceu. Observando as imagens deste projecto disponíveis na monografia de Andrea  Maffei sobre Ito, podemos ter uma ideia mais detalhada da nova mulher japonesa. Os objectos idealizados para estes habitáculos ajudam a manter um estilo de vida próprio do consumismo. Vemos gabinetes para o desfolhar de revistas de moda e mexericos, mesas para consumo de junk-food assim como toucadores que reforçam a ideia da importância da aparência física. O projecto “Pao” I e II de Ito é desprendido de terreno concreto, é acima de tudo um iglo, um abrigo de vícios. Neste caso o arquitecto opera num terreno, embora abstracto, próximo do conceito de espaço de que Cauquelin nos fala. O objecto arquitectónico é antes de mais algo nómada e parasitário, ocupando o território sem se ligar afectivamente a este.


Para Cauquelin o lugar é como que um templo sagrado da nossa existência, é onde temos as nossas primeiras memórias, onde vivemos quase toda a nossa a vida e como tal não vemos nele um valor material, monetário nem uma grande necessidade de desconexão. Na remodelação de 1961 da Casa da Rua Roberto Ivens em Matosinhos, Siza Vieira, trabalha num lugar muito próprio. A remodelação da casa dos seus pais, a casa em que passou a infância e a adolescência é terreno sensível pois joga com um número significativo de problemáticas a nível sentimental. O arquitecto não toca na essência do objecto preferindo operar em casos específicos de ordem funcional como a alteração das guardas de uma escada, organização geral do piso térreo e ligação do mesmo com as restantes zonas da habitação assim como a criação de algum mobiliário. O respeito pelas memórias que ao fim ao cabo são também as suas assim como pela rotina diária da habitação que tão bem conhece e a primazia pela funcionalidade são factores decisivos para a criação, ou preservação desta máquina afectiva de habitar.
Para a nova década mantemos o mesmo ringue onde de um lado temos o espaço do novo Homem, moderno, tecnologicamente avançado, com gostos muito focalizados e o lugar como memória permanente de onde viemos. Talvez o lugar seja mais do que uma memória, mas um espelho de onde se encontra o caminho para o nosso futuro.



[1] Cautelin, Anne (2005) Sítio, lugar e mundo. In: Curadoria do Lugar – algumas abordagens da prática e da crítica. Gabriela Vaz-Pinheiro. Transforma AC; Torres Vedras

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