quinta-feira, 3 de outubro de 2013

A Importância da Cultura Tectónica no desenvolvimento do Regionalismo Crítico















1.
Regionalismo Crítico e Cultura Tectónica: em que consistem estes dois conceitos? Como poderemos relacioná-los sendo, aparentemente, tão díspares? O Regionalismo Crítico surge na segunda metade do século XX como contraponto aos avanços do movimento pós-moderno. No texto ''Por Que Regionalismo Crítico Hoje?", de Alexander Tzonis, desenvolve-se a ideia confirmando o papel do regionalismo crítico como solução para um modernismo moribundo. Este tenta criar arquitectura com o apoio dos conhecimentos vernaculares e tradicionais de cada zona. A Cultura Tectónica surge como arte de construir. Frampton, no seu texto de 1990 "Rappel à l'ordre: argumentos em favor da tectónica", caracteriza a tectónica como a identidade estrutural e material da obra mas, também como a “(...) poética do construir subjacente à prática da arquitectura e das artes afins (...)”.
Com este texto pretendemos entender em que medida é que a construção transforma a arquitectura, com a identidade e a tradição contribuem para o desenvolvimento do Regionalismo Critico.

 2.
 O Regionalismo Critico, sendo uma leitura contemporânea e actualizada de um certo gosto vernacular deverá adaptar as técnicas de construção típicas do território. Assim sendo, a tectónica estabelece relações e influências na obra de um modo determinado.                  
A arquitectura, segundo Vitrúvio, deverá obedecer a três critérios. São eles: (a) solidez, (b) funcionalidade e (c) beleza. Como tal, o acto de construir (solidez) considera-se uma personagem principal, a par da estética. É importante referir que o Regionalismo Critico desenvolve-se numa época (anos 50) de grandes avanços tecnológicos no que consta à construção; e como tal, sofre a pressão de não ser rotulado como um “voltar às raízes”. O Regionalismo Critico pretende manter a questão da tradição, não no sentido do senso comum, mas como um conceito aberto a constantes actualizações. Como tal, a arte de construir não deverá estar presa a modelos tradicionalistas, deve sim, usá-los como sabedoria adquirida para daí criar novos métodos aptos à construção em questão.
Se considerarmos como exemplo a Piscina da Quinta da Conceição em Leça da Palmeira de 1965, obra de Álvaro Siza Vieira, o arquitecto cria uma infra-estrutura de lazer ao ar-livre, de construção actual (à época) de betão, mas introduz detalhes construtivos que denotam a influência do Regionalismo Critico e do Inquérito à Arquitectura Popular Portuguesa (1956-1960). É importante perceber a pertinência dos materiais nas obras, pois estes são elementos essenciais, juntamente com o tratamento espacial e volumétrico. Os materiais (madeira, pedra, tijolo) ajudam a uma maior integração no território, adquirem características sensoriais que de certa forma tornam o objecto arquitectónico parte do espaço em que se insere. Sendo assim, a estrutura, o esqueleto serve apenas para criar as condições, a tela em branco em que se apresentará uma certa política arquitectónica, deixando toda a poética nos pormenores. Os detalhes construtivos servem como uma segunda pele, possivelmente, a mais importante do ponto de vista conceptual.
O Regionalismo Crítico não pretende perpetuar o vernacular, mas sim actualizá-lo aos tempos de hoje. As obras de Alvar Aalto são disso exemplo, na adaptação de moldes típicos finlandeses aos critérios que estabelecem o Movimento Moderno.
Após a Segunda Guerra Mundial observamos algumas mudanças radicais na arquitectura do Movimento Moderno, é então que surge a noção de Regionalismo Crítico como a defesa da tradição, da cultura de cada região, possivelmente como uma forma de anti-globalização e de protesto contra o Estilo Internacional defendido pelo crítico Henry-Russel Hitchcock.
Num texto de 1964, o arquitecto grego Aris Konstantinidis, afirma que: "A boa arquitectura começa sempre com uma construção eficiente. (...) Em zonas onde não se encontre nada sem ser pedra, deveremos usar pedra típica." Concluímos então que quando aliada à Cultura Tectónica, o Regionalismo Crítico adquire traços que merecem o seu estudo mais cuidado. A arquitectura deixa de impor os materiais usados, as tecnologias passam ao essencial, o resto é ditado pelo território, seja ele físico ou cultural. Assim, ganhamos uma nova percepção do que é a herança cultural, algo que faz parte de nós, que nos é imposto pela terra.
Voltando a Konstantinidis: "A localização, o clima, a topografia e os materiais disponíveis em cada zona determinam o método construtivo. (...) a arquitectura não pode existir sem paisagem, clima e solo.". Parece-me importar reforçar a ideia de que a terra comanda o destino da arquitectura. O Homem deixa de ter poder total sobre o objecto, é o território quem cria e lhe dá sentido temporal. O uso de determinados materiais cria a ambiguidade temporal em que se baseia o vernacular. Nas palavras do pintor Fernand Léger: "A Arquitectura não é arte, é uma função natural. Nasce do solo como os animais e as plantas.".
A perpetuação do vernacular tem sido um tema muito debatido ao longo do século XX. Por muitos é visto como uma tentativa de manter ou reforçar um certo nacionalismo, por outros, como um dos ramos do gosto Beaux-arts. Nas décadas de cinquenta e sessenta, com o Inquérito à Arquitectura Popular Portuguesa procurou-se encontrar um elo de ligação entre a modernidade e o sentimento de pertença a uma nação. Estudaram-se os métodos tradicionais de construção, métodos mais tarde utilizados em construções que são hoje ícones  da Modernidade Portuguesa, como,  por exemplo a Casa de Ofir de Fernando Távora (1958).
Num discurso proferido em 1983, o arquitecto Vittorio Gregotti disse em relação à ligação do terreno com o projecto: "(...) o pior inimigo da arquitectura moderna é o conceito de espaço considerado exclusivamente em termos das suas exigências técnicas e económicas, indiferente à ideia de local." Já nas civilizações clássicas era feita a distinção entre local e sítio. O local é algo sagrado e o sítio é o local tornado capitalista. O Regionalismo Crítico desenvolve-se num local com uma herança histórica, cultural, social específica e como tal influência a obra, inclusive na cultura tectónica inerente ao objecto arquitectónico. A sítio-especificidade é um conceito muito querido ao Regionalismo Crítico e principalmente quando este é lido pelo seu lado tectónico.
Em conclusão, a arte de construir ganha um novo significado quando analisado do ponto de vista regionalista. Este poderá assumir um aspecto secundário da obra ou um elemento determinante, estandarte de uma posição social, artística e principalmente arquitectural.
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NESBITT, Kate (org.); Uma nova Agenda para a Arquitectura. Antologia Teórica (1965-1995); Cosac Naify, São Paulo, 2006
FRAMPTON, Kenneth; Studies in Tectonic Culture; The MIT Press, Cambridge, 1995
TRIGUEIROS, Luiz; Álvaro Siza: 1954-1976; Blau, Lisboa, 1997
VAZ-PINHEIRO, Gabriela (org.); Curadoria do Local: algumas abordagens da prática e da crítica; Transforma AC, Torres Vedras, 2005
HITCHCOCK, Henry-Russel; Arquitectura de los siglos XIX y XX; Cátedra, Madrid, 2008

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